Neiva Maria Tebaldi Gomes
«Argumentação linguística, enunciação e polifonia»
Letras de Hoje, vol. 51, n.º 1, 2016
Letras de Hoje | Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul | BRASIL
Extracto del apartado 2 de la publicación en PDF. Vejam-se as referências na publicação original do texto.
«A teoria polifônica como instrumento de análise semântica
»Perguntado sobre quais seriam os aspectos da linguagem para os quais os jovens linguistas deveriam voltar suas pesquisas atualmente, em entrevista concedida a Antônio Carlos Xavier (2012), Oswald Ducrot responde que jovens linguistas devem estudar tudo o que se refere ao discurso. Mas há na resposta de Ducrot uma passagem que revela explicitamente sua preocupação como o estudo da língua:
»Tudo o que concerne à enunciação deve ser atualmente objeto de atenção dos jovens linguistas. Todavia, é preciso igualmente continuar a estudar a matéria mesmo da língua, estudar a palavra, a gramática, estudar o modo como as palavras se organizam nas frases, não procurar fazer estudos aéreos, fora da realidade, eles devem entrar na realidade da língua e ver os problemas de sintaxe... (Entrevista, 2012). (grifo acrescido)
»Estudar a enunciação, todavia continuar a estudar a matéria mesmo da língua, estudar a palavra, a gramática. Essa parece ser a primeira grande lição para os que escolhem seguir os passos da sua teoria.
»Embora incipiente ainda, o presente estudo tem o objetivo de buscar na Teoria Argumentativa da Polifonia, decorrente da Teoria da Argumentação na Língua, elementos que possam contribuir para a explicitação dos modos de aparição dos conteúdos e dos sentidos produzidos, por esses modos, em textos acadêmicos, também ditos científicos (artigos, dissertações, teses), nos quais o locutor, responsável pelo conteúdo acionado, mobiliza uma diversidade de enunciadores.
»Como ponto de partida para a descrição de enunciados dessa natureza, assume-se da teoria o pressuposto da coexistência de um locutor único responsável pelas atitudes frente aos conteúdos e aos enunciadores evocados na produção de um enunciado, indiretamente assumindo, concordando ou excluindo a voz que carrega o conteúdo e o garante. Como em enunciados científicos é comum a mobilização de uma multiplicidade de instâncias enunciativas, porque há normalmente uma multiplicidade de conteúdos evocados, a responsabilidade do locutor é complexa. Daí decorre a necessidade da descrição e decomposição dessas instâncias, de seus conteúdos e de seus modos de organização. Para isso, a TAP parece apresentar-se como instrumento de análise semântica capaz de dar conta da complexidade envolvida em enunciados desse tipo.
»Para descrever as diversas formas de introduzir os conteúdos, as “maneiras de dizer”, a TAP propõe dois parâmetros: a atitude discursiva e a Pessoa. Por meio da atitude discursiva, o locutor indica o papel que ele dá em seu discurso ao conteúdo introduzido, ou seja, o locutor pode defender, ilustrar ou comentar o conteúdo. Um conteúdo pode não ser discutido, simplesmente acordado ou ser excluído. A noção de Pessoa deriva, com se viu, daquela de enunciador de Ducrot. Os enunciadores ou Pessoas não são indivíduos particulares, mas funções discursivas. E, segundo Carel, parecem ter duas funções: a de indicar o ângulo de vista e a de indicar o que garante a validade do conteúdo. Avaliar um texto por essas duas categorias – a atitude discursiva e a Pessoa – parece ser uma possibilidade de melhor compreender os sentidos dos enunciados que constituem os discursos acadêmicos.
»A distinção entre um sujeito falante, na origem da existência material do enunciado, e o locutor enquanto tal (o Locutor L), ser discursivo que indica um modo de apresentação dos conteúdos e assume a responsabilidade da função textual e o emprego desses conteúdos, conduz a uma análise mais centrada na língua e, como tal, mais fiel à teoria que orienta no sentido de “estudar a matéria mesmo da língua, estudar a palavra, a gramática, estudar o modo como as palavras se organizam nas frases, não procurar fazer estudos aéreos, fora da realidade”, no dizer acima referido de Ducrot.
»Para os fins a que se propôs este estudo, buscar instrumentos para a análise semântica do discurso acadêmico, o percurso realizado revela o potencial da TAP para esse fim, mais especificamente, em duas indicações de análise: uma relativa à “função textual” do conteúdo, outra ao “modo de aparição” desse conteúdo no enunciado.
»Enfim, o estudo da ANL, que tem continuidade na TAP e na TBS (essa última não explorada neste artigo), conduz à compreensão de que “falar consiste, não em nomear, mas em relacionar as palavras em frases, em parágrafos, em textos, de modo que a descrição de uma palavra permita a descrição dos enunciados em que está empregada” (CAREL, 2009, p. 26). Entender e explicar como essas relações engendram sentidos é tarefa do linguista, mas também daqueles que, mais modestamente, querem apenas conhecer melhor a natureza de seu objeto de aprendizagem ou de ensino, a língua.»
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