Denise Scolari Vieira
«Da Pintura à Poesia: uma proposta de Jogo Intersemiótico em Poemas Árticos de Vicente Huidobro»
Espéculo, n.º 57 (agosto-diciembre de 2016)
Espéculo | Universidad Complutense de Madrid | Facultad de Ciencias de la Información | Madrid | ESPAÑA
Extracto de apartados en páginas 153 y 157-160 de la publicación en PDF [este archivo PDF corresponde al ejemplar completo de la revista]. Véanse las referencias en la publicación original.
«Resumen
»La revolución vanguardista, en su tránsito hacia los países latinoamericanos, se caracterizó por el contraste, por el carácter fragmentario, inacabado. De ese amplio movimiento artístico, dinámico, con manifestaciones multiformes, la noción y el efecto de ruptura permiten identificar los rasgos distintos del desacato a la norma, como estrategia textual por excelencia.
»De cierta manera, este empeño por posicionarse ante la modernidad periférica, se presenta acentuado por la tensión y por la paradoja, ya que afrontar esa problemática significa, al mismo tiempo, experimentar diferentes sentidos y lenguajes, a fin de abstraer de la realidad cotidiana y vivir el dilema del escritor inmerso en el tiempo de la crisis de identidad, de las cuestiones acerca de la complejidad de lo real. Vicente Huidobro, en ese proceso intelectual complejo, desarrolla una profunda reflexión sobre cultura, arte, literatura.
»En su propuesta estética, toma objetos concretos y cotidianos para recrearlos, a través de la sorpresa y del absurdo; el efecto de duplicidad es recurrente en su poesía, metáforas plásticas aparecen en los poemas como estrategia para transformar letras en textos visuales, interesante trabajo, en el cual se manifiesta un juego especular en la escritura, que muestra la trasgresión.
»Palabras clave: Vicente Huidobro; Lírica; Juego; Pintura.
»Tensionar os espaços de pertencimento, mover(se) na aventura in(tertextual)
»A compreensão do imaginário da modernidade e o estudo de sua lírica coincidem com a apresentação desse paradoxo: “a palavra poética tem sido simultaneamente profecia, anátema e elegia das revoluções modernas” (PAZ, 1993, p. 67). Ora, se até o início do séc. XIX a poesia sistematizava uma ressonância com a sociedade, privilegiando um quadro idealizante de assuntos costumeiros, logo veio a refutar os princípios materialistas e a neutralizar as pautas da moralidade e da utilidade:
»Através da poesia contemporânea efectua-se, então, a compensação revolucionária do desmame do mito imposto pela civilização tecnicista. A poesia contemporânea define-se como uma re-evocação pelo verbo de um ‘sentido’ senão mais puro pelo menos mais autêntico, conferido às palavras do grupo social. É como se o poeta contemporâneo, imerso na civilização tecnicista das grandes cidades, reanimasse subitamente, pelo jogo de sua linguagem, os arcanos dos grandes mitos (DURAND, 1998, p. 50).
»Na tentativa de rebelar-se contra a tradição e tudo que seja normativo, a lírica moderna refere-se como um lamento expresso em categorias imagéticas, quase todas negativas:
»O escritor deixou de ser um testemunho do universal para tornar-se ‘uma consciência infeliz’, seu primeiro gesto foi de desagregação da forma que se expressa pela recuperação da escrita do passado. É a partir do romantismo que a literatura se torna, o que já é lugar comum em nossos dias, uma problemática da linguagem. O escritor descobre que seu trabalho se faz na linguagem, nas palavras e não nas coisas, quer ‘dizer’ o mundo é antes de tudo ‘dizer a linguagem’ (JOZEF, 1986, p. 82).
»Por essa amplitude das novas definições ocorre a expansão contínua de uma vertente vitalizadora da lírica como defesa contra a vida habitual. Seus investimentos incidem na afirmação do poeta como homem divinatório, como mago das palavras, aquele que submete a linguagem à formação de uma aliança entre obscuridade e incoerência. Novalis e Schlegel fomentam essa perspectiva que será o fundamento do Romantismo francês, e para a teoria poética de Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé. A partir do legado do Romantismo francês os meios de representação na lírica tematizaram o desacordo pela tradição e a contrariedade pelo setor dominante da sociedade, através da crítica acentuada expressa em ambiguidade e ironia.
»Esse propósito aponta para a imposição de conteúdos contraditórios no comportamento estético que acentuam a negação dos valores socializados. Misturam-se os estilos, fragmentase a homogeneidade a fim de manifestar a modernidade estética sob novos contornos. Na lírica as dissonâncias internas acenam para o arsenal obsessivo, formulado explicitamente nos domínios da duplicidade: atrair o leitor ou desagradá-lo. Baudelaire afasta o conceito antigo de beleza e mostra agressivamente o feio, o bizarro, o cômico absoluto, o absurdo; estende em sua obra as antíteses localizadas nas imagens da obscuridade, do abismo, do deserto, contrapostas pelo ímpeto do céu, da luz, da pureza, e outros. Esses resíduos da herança romântica e do cristianismo em ruínas são sintomáticos nos artistas modernos que respondem à cisão, que recorrem às velhas formas do pensamento:
»O que distingue a modernidade é a crítica: o novo se opõe ao antigo e essa oposição é a continuidade da tradição. A continuidade se manifestava antes como prolongamento ou persistência de certos traços ou formas arquetípicas nas obras; agora se manifesta como negação ou oposição. Na arte clássica a novidade era uma variação do modelo, na barroca, uma exageração; na moderna, uma ruptura. Nos três casos a tradição vivia como uma relação polemica ou não, entre o antigo e o moderno: o diálogo das gerações não se rompia (PAZ, 1990, p. 134).
»A concepção da arte na modernidade, segundo Octavio Paz, emprega a função da crítica da sociedade e de seus próprios fundamentos, condensa o trabalho de criação e de experiência em si mesmo, definindo-se como investigação que não recorre a nenhuma teoria estética que o sustente. Seus pilares de sustentação são redimensionados em cada experiência criativa, portanto, há uma modificação na relação obra-crítica.
»Assim, como traço básico da lírica de Baudelaire, observa-se a herança espiritual romântica acrescida dos movimentos e características de espaços emergentes da prosa autobiográfica típica desde o séc. XVII até o início do séc. XIX. O que quer dizer que essa subversão constitui a matéria que sempre opôs a poesia e a prosa. Baudelaire impõe suas características de estilo ao pensar a poeticidade num sentido mais existencial, ou seja, a situa na música, no devaneio poético do romantismo alemão, em suas metáforas; mais tarde, amplia-se essa hipótese pela alquimia do verbo de Rimbaud, e também pelas analogias propostas por Mallarmé.
»Vertente que passa por esses autores em seu empenho de converter a poesia em instrumento dos espaços secretos do ser pelo jogo permanente de correspondências simbólicas, sensoriais e existenciais que rompiam com a lógica formal, segundo Javier Del Prado (1993), essa posição teórica faz dos primeiros poetas da modernidade os prosistas secretos do séc. XVIII porque põem em verso as preocupações filosóficas de seus autores.
»Sabe-se que após Baudelaire a arte define-se como advinda da fantasia criativa equiparada ao sonho, neste jogo o real se desfaz prenunciando a lírica com força mágica, mas com alto grau de técnica. Rimbaud irá ampliar esta ideia e será capaz de preparar o caminho para os pintores modernos a fim de fundir por meio de metáfora, poesia e pintura, imagens que não existem na realidade factual.
»Rimbaud, deliberadamente, assume o papel de proscrito e de sábio. Sua poesia quer atingir o desconhecido, sentir as forças subterrâneas do ser, deformar a realidade em imagens; esse caráter fragmentário responde a um esforço de totalização manifesto pela abertura da obra moderna e contemporânea que revela uma realidade nova:
»Recusando, assim uma linguagem, a da Literatura, para a invenção de uma outra, a da Literatura (desta vez consumida pelo próprio ato de recusa), o artista elabora o esquema necessário para a revelação de uma realidade nova- passada pelo crivo da crítica problematizadora. Deste modo, a metalinguagem que se incrusta, de diversas formas, na obra contemporânea revela, mais do que um simples movimento tautológico da Literatura moderna, as próprias coordenadas da crise de representação em que se encontra (BARBOSA, 1974, p. 46).
»Numa linha de reflexão que se insurge contra a absolutização metodológica Rimbaud oferece ao fruidor uma obra a acabar em seus aspectos sempre novos; o rigor métrico dos primeiros versos leva um golpe certeiro da liberdade e ousadia dos poemas em prosa, transgressões que acabam no silêncio ou na frieza de sua segunda fase.
»Em todo seu percurso, Rimbaud alimentou-se das paisagens e do desconhecido, isto é, identifica-se um pólo de tensão que aparece de maneira privilegiada no escritor para revelar seu comportamento duplo em relação à modernidade, aversão ao progresso material e científico e apego às suas possibilidades de condução a novas experiências.
»Dessa vertigem, emergem conteúdos artísticos que se desenrolam da claridade à obscuridade, os homens da poesia de Rimbaud são estrangeiros sem pátria ou caricaturas, as imagens são deformadoras do real; rompem-se os limites entre o real e o invisível, o “eu é outro”, outras forças atuam em seu lugar, instaura-se o desterro proposital, a revolta mística e a sede do Absoluto.
»Se Baudelaire ainda mostrava-se apegado à ideia da arte e às restrições retóricas da linguagem, com Mallarmé inaugura-se o jogo do aniquilamento, juntamente com a libertação dos materiais para o trabalho poético, porém o deslocamento é duplo, é busca e, ao mesmo tempo, autonegação da arte contemporânea:
»Cosmopolitismo das ideias, interesse pelas expressões artísticas de outras sociedades, libertação dos gêneros, radicalização da arte como filosofia, são fatos que permitem concluir que o movimento da modernidade implica em certo sentido um retorno ao momento inicial no qual arte e vida não se haviam cindido (GONZÁLEZ, 1990, p. 135, tradução nossa).
»Em tudo isso existe um anúncio em direção ao jogo criativo, ao ludismo que, segundo González, é o traço principal da última etapa da modernidade que vivemos atualmente. A força da ruptura dos limites entre prosa e verso, princípio básico para Baudelaire, produzirá em Mallarmé outra revolução poética do séc. XIX: a transgressão da metáfora como projeto crítico e autocrítico dos poetas do romantismo ao simbolismo, e mais tarde, com os surrealistas, ocorre um deslocamento da função referencial da metáfora à função emocional na poesia do ocidente, ou seja, a metáfora como função emotiva quer falar de um mais além do sentimento, constituir-se em expressão do inefável.
»Nesta operação a poeticidade tem seu impulsionador psicosensorial que é transmitido pelas analogias da matéria semântica, visual e auditiva conduzindo à alquimia verbal, a novidade da orientação de Mallarmé será o componente de orientação compartilhado por expressivo número de poetas das gerações posteriores. A poética de Mallarmé traz matizes de criação capazes de intensificar a evidência de que poesia se faz pelo movimento de elementos verbais e não-verbais; no espaço da página a linguagem encena pausas, brancos, experimentações gráficas, posiciona-se entre linhas rumo a sua construção ou destruição.
»Mallarmé e, posteriormente, Apollinaire são lidos como aqueles que abriram caminhos para novas dimensões artísticas concretizadas no séc. XX, desde que passaram a demonstrar a arte como jogo estético.
»Portanto, decorre da atitude de vanguarda um deslocamento do poeta demiurgo, da consciência não-romântica, do simbolismo de Mallarmé, da obra literária associada à elaboração técnica do verso para o humor da arte-jogo: “dessacralizando a arte e desfechitizando a obra, os modernistas – os Picassos e Gides, Joyces e Klees – converteram a arte de rito artesanal em jogo experimental” (MERQUIOR, 1980, p. 17).
»Dentro do sentido de orientação da arte moderna, observa-se a ideia de mudança pela qual tudo é questionado, entretanto, os rápidos deslocamentos de um ponto a outro, constante parâmetro das transformações artísticas, perde a significação, ao contrário, triunfa unicamente a onipresença do desejo de novidade e de liberdade, relativiza-se a obra. Assim, a essa expectativa correspondeu a reflexão teórica vanguardista, no tempo da ruptura e da imaginação sem limites que se ergueu contra as convenções herdadas e, com sua ironia irreverente, quis criar um mundo próprio e independente. Tal movimento contou com a consciência de grupo e com o suporte de uma doutrina elaborada, com prescrições capazes de modificar a sensibilidade; seus textos eram acontecimentos públicos e sua pretensão acentuava o desejo de consolidação de uma nova perspectiva criadora. Ditas reivindicações foram internacionalizadas e suas experimentações multiplicadas, promovendo uma mudança de mentalidade na arte dos diferentes centros, metropolitanos ou periféricos.
»No início do séc. XX entram em cena as inovações formais apresentadas pelas vanguardas europeias, em busca de uma nova linguagem, justamente no momento em que surgem os primeiros sinais da crise universal da modernidade. Guillaume Apollinaire resumiu a aspiração dessa procura por uma nova linguagem em uma atmosfera de inquietação, e insatisfação:
»A busca do novo, entretanto, encontrou uma pedra, grande e incontornável, no seu caminho: a Primeira Guerra Mundial, desejada e preparada por todos os poderosos de então, como uma sangrenta queda de braço para determinar com quem ficaria a dominação do mercado mundial e dos impérios coloniais: se continuaria fundamentalmente com a Grã-Bretanha e a França ou se uma nova partilha favoreceria a Alemanha e seus aliados, em prejuízo dos dois primeiros (PONGE, 1991, p. 18).
»As dúvidas, os receios e o desejo de mudança de toda uma geração são confrontados pela total inconformidade. É o tempo de efetivar a negação de tudo.»