mayo 30, 2017

«Como o enfermeiro líder se comunica no hospital: uma análise das práticas discursivas»



Camila Cortez de Faria, Mayra Cristina Martins dos Santos, Nadia Carolline Luz, Laiane de Fátima Pereira, Rogério Silva Lima, Jerusa Gomes Vasconcelos Haddad
«Como o enfermeiro líder se comunica no hospital: uma análise das práticas discursivas»

Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online, vol. 9, n.º 1 (2017)

Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online | Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro | Escola de Enfermagem Alfredo Pinto | Rio de Janeiro | BRASIL


Extracto de apartados en páginas 153 y 154-157 de la publicación en PDF. Véanse las referencias en la publicación original del texto.




«RESUMO

»Objetivo: Compreender como os enfermeiros percebem a comunicação no exercício da liderança. Métodos: Estudo de abordagem qualitativa, do tipo exploratório e descritivo com corte transversal. Foram entrevistados 13 enfermeiros assistenciais de uma instituição hospitalar. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista, com uso de roteiro semi-estruturado. Para organização e análise dos dados utilizou-se o referencial teórico-metodológico da análise das práticas discursivas. O estudo recebeu parecer favorável pelo Comitê de Ética e Pesquisa (Parecer nº 476.254). Resultados: O uso da comunicação na liderança do enfermeiro é importante na condução da equipe, porém apresentou uma perspectiva unidirecional, mantendo a relação líder/subordinado. Conclusão: A comunicação se configura, predominantemente, como processo hierárquico, unidirecional, pouco aberto à dialogicidade e voltado para manutenção da ordem do trabalho no hospital, reproduzindo os pressupostos da administração clássica e pautada na divisão técnica e social da profissão.

»Descritores: Liderança, Equipe de Enfermagem, Comunicação.



»RESULTADOS E DISCUSSÃO

»O trabalho de interpretação resultou em um mapa que foi intitulado: “A comunicação na liderança para o enfer¬meiro”. O mapa era composto por três eixos: “Como o enfer¬meiro utiliza a comunicação”; “Condições de possibilidade do comunicar-se do enfermeiro líder” e “Para quê o enfer-meiro comunica?”

»A análise do mapa, por meio da leitura vertical e hori¬zontal dos seus eixos, permitiu acessar o modo como os enfermeiros percebem a comunicação no processo de liderar a partir dos repertórios por eles utilizados para materializar as relações estabelecidas no cotidiano do trabalho.

»Notou-se que as ações comunicativas que moldam o exercí¬cio da liderança são influenciadas pelas conjecturas históricas, culturais, políticas e econômicas que determinam as concep¬ções de líder e do papel do enfermeiro, atreladas aos interesses dos atores sociais envolvidos nas relações de trabalho.


»Como o enfermeiro utiliza a comunicação: as falas do enfermeiro, o silêncio do interlocutor e as possibilidades de escuta

»Para o gerenciamento efetivo de uma organização, o processo comunicativo é essencial, visto que possibilita que as atividades ocorram de maneira eficiente e eficaz. A ação comunicativa com o grupo liderado é reportada como importante ferramenta para os enfermeiros, esse aspecto pode ser notado em alguns trechos das entrevistas:

»“[...] eu conto muito com a comunicação com a minha equipe, eu, principalmente a parte de enfermagem, todas as intercorrências, qualquer coisa que acontece com o paciente [...].” (P12)

»“[...] eu acho que a comunicação é o mais importante, quando a comunicação não é efetiva eu não consigo fazer uma liderança.” (P9)

»“[...] comunicação em si ela é um instrumento funda¬mental [...].” (P5)


»As diferentes formas de comunicação, bem como suas abordagens, são observadas nas falas dos enfermeiros ao referirem quanto à comunicação na interação com a equipe. Para os depoentes, o exercício da comunicação pressupõe, predominantemente, o uso do falar, a despeito do menor uso de outras formas de comunicação verbal, como a escrita.

»“[...] eu gosto de falar sempre [...].” (P1)

»“[...] você deverá avaliar qual o tipo de comunicação deverá ser utilizada seja ela verbal, por meio de solicita¬ções e reuniões ou não verbal, por exemplo, por meio de um memorando ou de ofício.” (P7)

»“[...] quando eu preciso falar alguma coisa [...] eu acredito que elas [as técnicas e auxiliares de enfermagem] recebem tudo como forma construtiva, nada destrutivo [...] eu preciso também estar em roda ali, falando, dessa parte de liderança, elas são bem flexíveis e abertas também.” (P4)


»A despeito do processo comunicativo ser comumente valorizado nas instituições de saúde, é preciso que se considere que se o modo como ele foi desenvolvido for insuficiente pode gerar insatisfação e dificuldades no ambiente de trabalho.

»Nessa perspectiva, chama atenção o fato de que os enfer¬meiros parecem atribuir à comunicação um sentido unidire¬cional, materializada na linguagem na evocação da primeira pessoa do singular, mesmo quando qualificavam a prática da comunicação com a equipe no cotidiano do trabalho:

»“Eu gosto muito de falar o que eu espero deles [...] como eu gostava de trabalhar, e de certa forma eu consigo a liderança [...].” (P1)

»“Eu chego até os meus funcionários e falo que tenho uma orientação para passar e se tiver alguma dúvida eu vou e retorno.” (P8)

»“[...] eu chego, dou as orientações que eu tenho que dar, eu chamo a atenção na hora que tem que chamar [...].” (P13)


»A ênfase atribuída ao “Eu” no processo comunicativo pode indicar o pouco espaço concedido ao “Outro”, como pessoa, voz e agente ativo nos atos de fala que circunscrevem o exercício da liderança e da comunicação na enfermagem no contexto estudado. Esse aspecto pode remeter ao posicio¬namento que o enfermeiro assume no processo de trabalho, o qual pode estar norteado por pressupostos da administra¬ção clássica, que implica na adoção de um processo comuni¬cativo hierarquizado e pouco aberto à dialogicidade.7

»Quando a comunicação ocorre de forma vertical, no sen¬tido descendente, sob forma de ordem e raramente de orienta¬ção, torna-se precária, faz com que as pessoas não sejam ouvi¬das e as decisões, por sua vez, sejam de baixa qualidade, pois são baseadas em poucas informações, às vezes incompletas e incorretas e apresentam um fluxo distorcido e demorado. Esta comunicação distancia a direção e o nível operacional, impe¬dindo a aproximação entre líder e os seus subordinados.

»Entretanto, os modelos gerenciais mais atuais, baseados em estruturas descentralizadas, prezam profissionais mais flexíveis que devem privilegiar menos a comunicação ver¬tical e favorecer a comunicação horizontal ou lateral tanto interunidades como intraunidade.

»Nessa ótica, os aspectos do relacionamento interpessoal entre os líderes e sua equipe são reportados e colocam em perspectiva a ideia que os enfermeiros têm em relação a sua comunicação como instrumento para o desenvolvimento do trabalho em equipe, para a satisfação do grupo e a realização das atividades. Evidencia-se uma tentativa de abertura para a interação com o outro nos sentidos veiculados pelos enfer¬meiros, ainda que nos depoimentos a voz deste outro seja pouco materializada.

»“[...] comunicação bastante aberta [...] se eles precisam de ajuda eles falam [...].” (P4)

»“[...] a gente tem que falar de um jeito bem claro até por causa do nível técnico [...].” (P10)

»“[...] eu gosto de pensar na equipe de enfermagem e eu acho que eles ficam satisfeitos com isso.” (P1)

»“[...] Pois eles acreditam no seu trabalho [...]. O pessoal conta muito, confia muito no trabalho da gente, então mesmo os técnicos, outros enfermeiros que também estão sob minha supervisão, e eles têm muita liberdade de che¬gar de conversar.” (P3)

»“[...] de forma que eles tenham a liberdade e a confiança [...] para que eles possam te dar um feedback [...] se sen¬tirem parte [...] daquela equipe, e não eu a líder sozinha [...].” (P11)


»Desse entendimento, afirma-se que os líderes devem ter a capacidade de ouvir, a fim de estabelecer ligação estreita entre líder e liderado. Essa ligação pode se desenvolver atra¬vés da relação empática, na qual é preciso entender o outro como único em sua individualidade.14 Mesmo porque o diá¬logo deve ser tomado como uma das estratégias imprescindí¬veis utilizadas pelos profissionais enfermeiros para o desen¬volvimento da liderança.1

»Ademais, o líder eficaz proporciona aos liderados o desenvolvimento de responsabilidades. Produz um ambiente organizacional que permite ouvir e ser ouvido, propício para que seja fornecido um feedback quanto ao desempenho para estimular equipe a desenvolver novas competências e habi-lidades, assumindo atitude positiva na realização das ativi¬dades cotidianas.15 Desse modo, é possível estabelecer um ambiente profícuo para o desenvolvimento do trabalho e para um cuidado de saúde seguro.

»Adicionalmente, o processo de liderança envolve equi¬pes, ou seja, pessoas diferentes que interagem, se relacionam, se associam e se fortalecem. Para o sucesso do processo de trabalho, o líder deve considerar a singularidade humana, uma vez que indivíduos possuem necessidades diferentes. É preciso ter em vista as novas idéias da equipe, absorvendo as críticas, sugestões e aplicando-as, a fim de garantir a vita¬lidade, a motivação e o dinamismo grupal. Por outro lado, os integrantes da equipe também devem demonstrar dispo¬sição para interagir de forma produtiva, para um relaciona¬mento benéfico com o líder.


»Condições de possibilidade do comunicar-se do enfermeiro líder

»Os enfermeiros desempenham sua ação comunica¬tiva em uma conjuntura histórica e cultural que determina as características da força de trabalho em enfermagem. Desse lugar, eles dão sentido às vicissitudes de seu trabalho enquanto líderes da equipe de enfermagem.

»“[...] ao mesmo tempo que eu sou, que ai eles colocam a gente como “a chefe” [...] acho que tudo conversado a gente se entende [...] porque é uma classe, a enfermagem, a classe [...] trabalha muito. Nós somos muito sobrecarre¬gadas, temos um dia-a-dia, uma rotina muito pesada às vezes, principalmente dentro de um hospital [...].” (P18)

»“[...] para quebrar o bloqueio que tem entre o colabora¬dor e eu [...] os funcionários já são antigos, então assim, forma meio que um bloqueio [...].” (P19)

»“[...] Mas assim, principalmente eu que assim, por eu ser mais nova e o funcionário ser mais velho. [...] Por eu que¬rer ser líder dele sendo que ele tem muito mais tempo de experiência que eu, sendo que ele é mais velho do que eu, entendeu? [...].” (P21)


»Observa-se que o arcabouço que possibilita as falas do enfermeiro, como líder, remetem à divisão social e técnica da profissão da enfermagem. Esse processo histórico, atrelado aos interesses do capital no início da configuração da enfer¬magem como profissão, persiste até os dias de hoje perpe¬tuando a divisão da equipe em classes distintas que desem¬penham atividades semelhantes. A divisão técnica e social do trabalho da enfermagem determina relações nem sempre favoráveis, causando o distanciamento entre líderes e lidera¬dos, repercutindo de forma contundente na construção das relações no grupo.


»Para quê o enfermeiro se comunica?

»Os enfermeiros parecem utilizar a comunicação como um instrumento para a manutenção da ordem do trabalho. Ao discorrerem, salientam as orientações, o chamar a aten¬ção e as advertências que são comumente associadas à lide¬rança autocrática.

»“[...] tem regras e normas que a gente tem que seguir [...].” (P4)

»“[...] Algum problema [...] a gente chama, orienta e regis¬tra [...] o que a gente orienta eles acatam.” (P6)

»“[...] a comunicação é a maneira principal de atingir os objetivos [...].” (P10)

»“[...] às vezes a gente precisa ser firme [...] assumir mesmo uma posição.” (P12)


»Entretanto, é preciso considerar que, para além das pala¬vras e subjugações, o exemplo positivo do líder poderá forta¬lecer o respeito entre os membros do grupo, influenciar nas condutas de seus colaboradores e, assim, favorecer o alcance de objetivos.

»Mesmo porque, a despeito do exercício da liderança, pressupor a capacidade de tomar decisões, definir tarefas e organizar o serviço, sua operacionalização é intrínseca à comunicação adequada, que requer a instrumentalização dos profissionais no tocante às competências atitudinais que repercutem no bom relacionamento entre os integran¬tes da equipe.

»Paradoxalmente, observa-se que os esquemas conceituais a respeito da liderança e suas ferramentas, como a comuni¬cação, estão de tais modos ancorados nos pressupostos da gerência clássica que os enfermeiros sentem-se desconfortá¬veis em impor limites.

»“[...] cobrar, mas é difícil, porque eu sempre espero uma correção e não uma punição [...].” (P1)

»“[...] Eu tenho dificuldade para falar não para os funcio¬nários [...].” (P2)

»“[...] A gente não sabe expressar aquilo que a gente quer [...] porque se não chegou eu vou ter que arrumar uma outra forma de estar me comunicando com a pessoa, para que ela entenda como que vai ser o processo, como aquele problema vai ser resolvido, como aquela falha vai ser resolvida.” (P5)


»A comunicação nem sempre é bem sucedida na gerên¬cia de enfermagem. Pesquisas identificam conflitos no pro¬cesso de comunicação como ausência de elogios, falta de honestidade nas relações interpessoais, ausência de críticas construtivas, não acolhimento de opiniões do enfermeiro, o que obstrui o fluxo de comunicação ocasionando demora na tomada de decisão e distorção de informação prejudicando a agilidade no processo de trabalho.»





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