abril 28, 2016

«Dos efeitos da metáfora no domínio das paixões(re)visão de Aristóteles no seiscentos»



Felipe Lima da Silva
«Dos efeitos da metáfora no domínio das paixões(re)visão de Aristóteles no seiscentos»

cuatrocientos cincuenta y dos grados Fahrenheit. Revista de Teoría de la Literatura y Literatura Comparada, n.º 14, 2016

cuatrocientos cincuenta y dos grados Fahrenheit. Revista de Teoría de la Literatura y Literatura Comparada | Universidad de Barcelona | Facultad de Filología | Barcelona | ESPAÑA


Extracto de páginas 144 a 147 del artículo en PDF




« Dos efeitos aos afetos: a metáfora no domínio das paixões

»Convém deter-se sobre as práticas de representação do século XVII – que as gerações a posteriori genericamente denominam “barroco” – para melhor compreender a potência da metáfora no período em questão. É importante reiterar, contudo, que os exercícios de pregação seguiam as prescrições da retórica de Aristóteles e de outros retores latinos, tais como Cícero e Quintiliano, só para não nos estendermos, que, indiretamente, retomavam em suas páginas as prescrições do filósofo grego. Isso significa dizer que a auctoritas aristotélica é um legado de peso no que diz respeito à oratória sacra, uma vez que forneceu subsídios para os propósitos estilísticos do discurso – como plasmar metáforas agudas –, assim como viabilizou um plano pragmático para traçar e efetuar a ação militante da qual o sermão devia se investir, de maneira que a metáfora passa a ser um lugar-comum que dá contorno a uma unidade pressuposta na Causa Primeira de todas as coisas (Deus), sintetizando toda a proliferação, toda a multiplicidade, todo o acúmulo e todo o duplo como uma experiência combinatória e ordenada de seus efeitos.

»Ainda sobre Aristóteles, é relevante afirmar que seu tratado de retórica, especificamente, forneceu aos pregadores seiscentistas, seja diretamente, seja por meio de outros tratadistas que reatualizaram o filósofo grego antes, a maneira de produzir o efeito inesperado de sentido que, por conseguinte, proporciona o prazer a partir da recepção dos ornatos dialéticos [NOTA 4], que imprimem com eficácia sobre os corações alheios do público o selo da doutrina católica.

»O paradigma metafórico nos sermões do século XVII, que é operado por meio de mecanismos de analogia em todos os níveis do discurso, não é determinado apenas pela forma atribuída à comparação entre dois termos ou objetos, mas por um “modelo de semelhança”, como afirma Jacqueline Lichtenstein (1999: 140), a definir o que significa ser semelhante segundo uma ordem de decoro e de adequação (cf. Lichtenstein, 1999: 140). Vejamos, entretanto, que na Poética, Aristóteles plasma a operação da metáfora analógica afirmando que: “Entendo por relação de analogia quando o segundo termo está para o primeiro assim como o quarto para o terceiro; o quarto poderá ser utilizado em lugar do segundo, e o segundo, no lugar do quarto” (Poética, cap. XXI: 11).

»Revendo o paradigma da metáfora aristotélica, Paul Ricouer – em sua análise dos tratados de Aristóteles – reitera o modus da chave de leitura que preserva a definição de metáfora enquanto figura de elocução operada pela transposição de um nome denominado “estranho” que quer designar outra coisa (cf. 2000: 32). Em termos estritos, trata-se de um movimento de transferência de significados afastados que, por ordem dialética, decodifica as semelhanças cognoscíveis para estreitá-las e formar a metáfora, ou, quando continuada em cadeia, formar alegorias. Correlativamente, Heinrich Lausberg, em seu inventário das figuras retóricas, plasma a seguinte definição: “a metáfora é a substituição de um verbum proprium por uma palavra, cujo significado entendido proprie, está numa relação de semelhança com o significado proprie da palavra substituída” (1982: 163).

»Ainda é importante lembrar que o mecanismo metafórico nas letras da época em foco funciona como instrumento de ampliação da persuasão; opera retoricamente, ensinando algo demonstrado na analogia das semelhanças encontradas. Dessa forma, o público tem despertado o prazer com esse ensinamento, porque apreende, nas devidas proporções, o efeito do procedimento agudo produzido pelo pregador. A respeito da natureza “instrutiva” da metáfora, recorramos, mais uma vez, ao olhar de Paul Ricouer sobre tal questão:

»Esta virtude [instrutiva] refere-se, com efeito, ao prazer de aprender que procede do efeito de surpresa. Ora, é função da metáfora instruir por uma aproximação repentina entre coisas que parecem distantes. [...] a metáfora surpreende e dá uma instrução rápida, e é nessa estratégia que a surpresa, acrescida à dissimulação, desempenha um papel decisivo. (2000: 60)

»No contexto do sermão ibérico, a polivalência dos significados é intencional para o jesuíta que, no momento da pregação, assume o status quo de censor dos signos, responsável por direcionar os significados que são advindos das figuras de elocução, preservando, única e exclusivamente, as intenções da ortodoxia católica, que prima pelos desígnios divinos. Facilmente compreendemos a importância dada à agudeza, quando preconiza o jesuíta aragonês, Baltasar Gracián, em seu renomado tratado Agudeza y arte de ingenio, ao afirmar que “não se contenta o engenho só com a verdade, como é o caso do juízo, senão que aspira [também] a beleza” (Gracián, 2011: 442).

»A beleza do discurso produzido no âmago do teatro retóricohermenêutico do pregador é o que possibilita aflorar o prazer do ouvinte que irá saborear as analogias codificadas em chaves dialético-retóricas nos sermões. Os sermões substancializam o artifício do Estado monárquico representando suas ordens por meio das categorias retóricas, dentre as quais, a própria metáfora.

»Sintetizando as causas e os efeitos da actio rhetorica, Marc Fumaroli (cf. 1998: 201) destaca que é útil ao orador filosófico e religioso o conhecimento de uma fenomenologia humanística, que possibilite melhor conhecer seu público e agir com propriedade sobre ele. Leiamos a tese de Fumaroli, assimilando com o livro das paixões de Aristóteles, para perceber o alinhamento do pensamento seiscentista com a filosofia do estagirita, notando a razão pela qual o século XVII instaurou uma “theorhetórique” (Fumaroli, 1998: 202) após o Concílio de Trento mais exigente: preocupada então em administrar a república cristã, bem como as representações dos artistas e, evidentemente, o discurso dos oradores, sobretudo, se possível, conduzindo os sentidos que as palavras destes tomavam no púlpito. É a metáfora lapidar de Alcir Pécora (2008, p. 52) que nos serve como emblema para definir não apenas a sermonística vieiriana que logo iremos adentrar, mas o gênero o qual aqui nos referimos: “Os Sermões mais parecem uma metáfora do século XVII português”. Não menos metafórico, porém muito mais impregnado à realidade da época: os sermões representam a “Palavra de Deus Empenhada”.

»Não esqueçamos as provas que funcionam de base das categorias retóricas e de força demonstrativa para a construção dos entimemas, isto é, do silogismo [NOTA 5] retórico: éthos – provas concernentes ao caráter do orador; páthos – provas que concernem às paixões, aos afetos do auditório. No xadrez retórico, o jogo da persuasão dá-se à vista de um caráter exímio do orador que busca atingir as paixões alheias e movimentá-las à ordem de convencimento que converge pela via da terceira peça-chave do jogo: o lógos – o discurso propriamente dito.

»Circunscrevendo todos esses elementos, deve estar um elemento que já fez correr muita tinta, mas que cabe acentuar mais uma vez aqui por meio do juízo de Barbara Cassin. Trata-se da ética que, como já vimos, é um elemento de sondagem e ao mesmo tempo de corroboração da credibilidade do discurso de um orador. Como assinala a referida estudiosa:

»É preciso evitar cometer a injustiça ainda mais do que sofrê-la, que o segundo bem, após o de ser justo, é o de se tornar justo pagando por seu erro, enfim, que é preciso evitar a adulação e ‘servir-se da retórica como de qualquer outro meio de ação, sempre em vista do justo’. (Cassin, 2005: 156)

»Antes, porém, de passar ao exame das linhas de força da sermonística vieiriana digna de nota se afigura a interessante proposta de Alcir Pécora para a leitura dos sermões seiscentistas mediante a subordinação dos textos à tríplice articulação semântica do modelo sacramental do século XVII ibérico: as comemorações do ano litúrgico, as passagens escriturais do Evangelho do dia e as circunstâncias da pregação (cf. Pécora, 2005: 29). Sem mais protocolos teóricos, comecemos então a pontuar, no “Sermão da Sexagésima”, os efeitos da metáfora no âmbito das codificações retórico-poéticas seiscentistas que, como viemos apresentando aqui, é uma ferramenta importante nas encenações do theatrum sacrum ibérico dada a sua eficácia sobre as paixões do auditório.



[NOTAS]

»NOTA 4 | Destaca-se, de passagem, que há um seguimento de outros nomes equivalentes para a designação “ornato dialético” tais como: conceito, concetto, concepto, conceito engenhoso, argúcia, argutezza, acutezza, wit, Witz, pointe, entimema e silogismo retórico. Para maiores detalhes consultar, Hansen, 1978; 2006.

»NOTA 5 | Trata-se de um raciocínio dedutivo estruturado formalmente a partir de duas proposições (premissas), das quais se obtém por inferência uma terceira (conclusão) [p.ex.: “todos os homens são mortais; os gregos são homens; logo, os gregos são mortais”.]



»Referências

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