octubre 31, 2019

#EleNão «A linha de argumentação se ancora em dois lugares retóricos, o lugar do existente, que dá preferência ao que já existe e se vincula “ao estável, ao habitual, ao normal”, e o lugar da essência, que valoriza um padrão tido como ideal»



Ana Cristina Carmelino e Luiz Antonio Ferreira
«O grito das massas: retóricas e polêmicas»

Entrepalavras, vol. 9, n.º 1 (2019)

Entrepalavras. Revista de Linguística | Universidade Federal do Ceará (@UFCinforma) | Centro de Humanidades | Departamento de Letras Vernáculas | Fortaleza | Ceará | BRASIL

Se incluye a continuación un extracto seleccionado de las páginas 209 y 215 a 228 de la publicación en PDF; corresponde a los apartados de los títulos que se indican. Las referencias pueden consultarse en la ubicación original.

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«Resumo

»Este artigo pretende refletir sobre os principais argumentos que sustentaram a manifestação histórica e polêmica que, iniciada nas redes sociais, ganhou as ruas do Brasil e do mundo em 29 de setembro de 2018. Trata-se da campanha #EleNão, cujo objetivo principal foi contestar a candidatura do presidenciável Jair Bolsonaro às eleições de 2018, no Brasil. A análise ancora-se nos pressupostos teóricos da Retórica e da Nova Retórica, especialmente a partir dos lugares retóricos, e considera como corpus de estudo cartazes que circularam durante o ato retórico e estão disponíveis na Internet. Entende-se a manifestação e a forma de fazê-la como uma prática social que busca conclamar direitos, testar ideais e explicitar acordos estabelecidos entre certos grupos.


»A campanha #EleNão em contexto

»A hashtag #EleNão constitui uma das expressões do movimento, em especial liderado por mulheres, de oposição à candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República nas eleições de 2018 no Brasil. De forma a não explicitar nome, a fórmula é construída pelo pronome pessoal “ele” (que se refere à pessoa ou coisa que é tema do discurso) e a partícula negativa “não” (que funciona “como recusa absoluta a uma pergunta ou resposta”).

»A expressão, que surgiu na página do Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” (MUCB), consiste numa tomada de posição (na qual “ele não” corresponde a “ele não tem meu voto, meu apoio”) e passou a ser usada como mote para justificar ou explicar os motivos de tal posicionamento (por quais motivos o “ele” não teria o voto). Uma reação-resposta não apenas às declarações carregadas de preconceito feitas pelo candidato contra mulheres, negros, homossexuais e outras minorias, mas também ao plano de governo do presidenciável, que privilegia elites e revoga direitos dos trabalhadores.

»Para dar força à hashtag e apoiar o movimento das mulheres e LGBTs contra “o [candidato em questão]”, Militão de Queiroz Filho, estudante de Letras na Universidade Estadual do Ceará, criou, em 13 de setembro, uma peça que se tornou o maior sucesso nas redes sociais. Feita em PhotoScape, a ilustração traz um letreiro que flutua em um céu estrelado, deixando um rastro de arco-íris (símbolo da bandeira LGBT) que sai da palavra “não”.

»Replicada e compartilhada, inclusive por famosos (como atores, cantores, políticos), a postagem teve grande repercussão. Junto à viralização da hashtag, surgiram produtos (como camisetas) e outras artes com a expressão-chave (e/ou suas variações, caso de #EleNunca e #EleJamais).

»A manifestação, iniciada nas redes sociais pelas mulheres, desencadeou não apenas a produção de uma série de vídeos feitos por pessoas em geral e artistas que explicitam seus motivos para não promover o deputado a presidente, mas também um ato público (ocorrido em 29 de setembro de 2018), o qual se transformou em um movimento mundial, apoiado por diferentes setores e movimentos sociais (Comunidade LGBT+, movimento negro, movimento estudantil, torcidas organizadas, artistas, cientistas, intelectuais e empresários entre outros), em rejeição à posição conservadora (e ameaçadora) representada por Jair Bolsonaro.

»O protesto, de acordo com a feminista Céli Regina Jardim Pinto, foi a maior manifestação de mulheres na história do Brasil e um dos maiores movimentos contra um candidato, independentemente das mulheres. Pode-se dizer que a campanha #EleNão tornou-se um significante repleto de significados, importante na luta política, uma vez que coloca em evidência a defesa pela democracia e pelos direitos humanos. É o que veremos nos cartazes analisados a seguir.


»#EleNão por quê? Os lugares retóricos em seus devidos lugares

»O ato público ocorrido em 29 de setembro de 2018 consistiu num ato retórico. Todo ato retórico demanda, por natureza, artimanha por parte do orador para encontrar nas malhas do discurso o caráter das premissas necessárias para obter a eficácia.

»A decisão de envolverse num ato desse tipo, segundo destaca Ferreira (2019, no prelo), “requer esforço cognitivo e afetivo característico de uma antiga e fundamental divisão do sistema retórico: a invenção (inventio), ligada etimologicamente a “achar” (invenire) e “julgar” (iudicare)”.

»Mais ainda, o orador deve levar em conta não apenas o aspecto passional que envolve o auditório no instante da ação (actio) – tendo em vista que cada indivíduo hierarquiza valores de forma diferente –, mas também deve, ao proferir seu discurso na busca por persuadir, deixar claro na disposição (dispositio) que as causas que defende são justas, legais, apropriadas, honrosas, exequíveis e necessárias (cf. ARISTÓTELES, 2012).

»Analisado, aqui, por meio de um conjunto de cartazes que sintetizam as justificativas da rejeição à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República, os discursos, que se situam antes do primeiro turno das eleições, consistem em respostas para #EleNão. Na busca de alterar opiniões, como veremos, os oradores pontuam seus dizeres pelos conhecimentos prováveis a fim de arrebatar mentes e corações em prol de uma causa.

»E é em função do auditório que desenvolvem sua argumentação, considerando que é por meio do plausível, principalmente dos lugares retóricos e da comparação antitética, que é possível construir o verossímil e angariar a adesão.

»Os enunciados dos cartazes acima advêm de oradores que se posicionam contrariamente a discursos considerados intolerantes, sejam os que são misóginos – “#EleNão porque faz apologia ao estupro”, “Eu não voto no coiso machista (...), “Com quantas fraquejadas se faz uma revolução” e “Se fere nossa existência, seremos resistência” – sejam os que defendem a violação dos direitos das minorias, caso de negros, índios, homossexuais – “#EleNão porque é contra quilombolas” e “Eu não voto no coiso (...) racista e homofóbico”.

»O julgamento que coloca em questão a candidatura do “coiso”, forma como é chamado nas redes sociais, tem origem em alguns dos discursos do presidenciável. Em palestra feita para a comunidade judaica (no Clube Hebraica), no Rio de Janeiro, em 3 de abril de 2017, Bolsonaro não apenas faz ataques de cunho racista contra negros, mas também dispara contra indígenas, mulheres, homossexuais e refugiados”.

»O deputado, como destaca Brum (2018), afirmou “não estuprar uma deputada porque ela não mereceria por ser ‘muito feia’, assim como afirmou que as mulheres são produto de uma ‘fraquejada’ do macho no ato sexual. Além disso, disse que “negros de quilombos não servem nem para a procriação”, que “é melhor ter um filho morto num acidente de trânsito do que namorando ‘um bigodudo’”, que “seus filhos jamais vão namorar uma negra porque ‘são muito bem educados’”, que “as mulheres têm que ganhar menos porque engravidam”.

»O discurso (ou a atitude) intolerante, portanto, é um dos motivos alegados para a recusa da candidatura de Jair Bolsonaro. A principal prova retórica que sustenta essa argumentação não é de ordem lógica. Os oradores consideram uma premissa de ordem geral que permite fundar valores, argumentam pelo lugar da pessoa. Esse argumento, como já dito, ressalta o humano sobre as demais coisas (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 110), no caso, incide sobre o mérito de um ato realizado por um grupo de pessoas para salientar a dignidade, a autonomia, a coragem, o senso de justiça de todos (negros, índios, mulheres, homossexuais, camponeses).

»Os enunciados desses dois cartazes advêm de oradores que repudiam discursos antidemocráticos. Em “Não há espaço para princípios antidemocráticos – Democracia”, duas marcas de escrita explicitam o olhar crítico de quem segura o texto. A primeira é o advérbio “não”, redigido de forma sublinhada. A segunda é o termo “antidemocráticos”, que se apresenta riscado. Em ambos os casos, os recursos gráficos acentuam naturalmente as duas palavras.

»O efeito prático – e intencional – disso é que o recurso ressignifica conteúdos de fala creditados a Bolsonaro, como se eles estivessem sendo “corrigidos” pelo manifestante. Ao invés de uma defesa explícita à violação dos direitos humanos, defende-se que uma democracia não coadune com propostas que firam essa forma de regime. Em outros termos: reitera-se a importância da democracia no país.

»Essa linha de posicionamento sintetiza um histórico de declarações de Bolsonaro com flertes a um posicionamento mais autoritário. Um exemplo para o caso foi uma crítica feita ao pagamento do 13º salário e do adicional de férias, que circulou nos dias anteriores à manifestação. A declaração foi creditada ao candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão. Os benefícios são previstos na Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. Mexer em tais direitos seria, portanto, uma afronta à Constituição.

»O enunciado “Pelo direito de andar amado”, grafado no outro cartaz, reforça outros direitos conquistados (como a lei que permite o relacionamento homoafetivo). Além da parte verbal, outro elemento se destaca: a pessoa que porta texto é do sexo masculino, porém usa batom e esmalte. Essa mescla, em homens, de acessórios historicamente associados a mulheres é uma maneira explícita de reforçar esse pensamento – ou esse direito, como registra o cartaz – no próprio corpo.

»A expressão “andar amado” remete também a um discurso de Bolsonaro, que defende à liberação do porte de arma para toda a população (“andar amado” < “andar armado”). Em carreata pelas ruas de Belém, em 5 de outubro de 2017, o presidenciável defendeu flexibilizar o porte de arma no Brasil: “Comigo não vai existir o politicamente correto. Vocês terão armas de fogo”.

»O discurso antidemocrático consiste em um dos argumentos para a rejeição de Bolsonaro. Sob essa ótica, ao considerar que a democracia seja um direito conquistado no Brasil, seria um risco perdêla. Num sistema democrático, prevê-se que todos os cidadãos tenham direito de se manifestar. O próprio voto, que elege os representantes do país, presidente entre eles, seria uma maneira de reforçar esses princípios.

»A linha de argumentação se ancora, no caso dos enunciados desses cartazes, em dois lugares retóricos, o lugar do existente, que dá preferência ao que já existe e se vincula “ao estável, ao habitual, ao normal” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 110), e o lugar da essência, que valoriza algo que representa um padrão tido como ideal. No caso em questão, é melhor manter o atual padrão de regime – a democracia – do que se arriscar por terrenos antidemocráticos ou autoritários.

»Os enunciados verbais e não verbais dos cartazes do conjunto 3 [imagem] advêm de oradores que se mostram contrários a discursos que fazem apologia à ditadura militar. A argumentação, também nesse caso, é sustentada pelo lugar do existente, o qual, como o próprio nome diz, prefere o que existe, declara superioridade daquilo que é (ou está) sobre aquilo que é possível (pode vir a ser), ou seja, prefere-se o sistema de governo democrático (atual) e não o ditatorial, autoritário, como imputado à chapa de Bolsonaro.

»No que tange a essas considerações, Mourão, vice de Bolsonaro, defendeu a atuação das Forças Armadas em situação de caos no país e chamou de herói um dos torturadores do regime militar. Segundo o general, uma intervenção militar poderia ser adotada se o Poder Judiciário não solucionasse “o problema político”, em referência aos casos de corrupção. Ele disse também, em outra ocasião, que o regime em que vivemos é frágil, “onde a moral e as virtudes foram enxovalhadas”. Em entrevista ao programa Câmera Aberta, em 1999, Bolsonaro afirmou “que não acreditava que houvesse solução por meio da democracia e defendeu a morte de “30 mil”, incluindo a de civis e a do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)”.

»Falar bem da Ditadura Militar brasileira (1964-1985) era, pelo menos até então, algo bastante espinhoso para a população brasileira. O regime ficou marcado por atitudes autoritárias e de forte repressão a seus opositores. Prisões, torturas e mortes de pessoas contrárias ao sistema estavam entre as práticas adotadas, além de censura aos meios de comunicação de massa. Segundo o projeto Brasil: Nunca Mais (1986), que compilou casos de vítimas, os alvos preferenciais foram estudantes, sindicalistas, políticos, jornalistas e religiosos.

»Os poderes autoatribuídos pelos militares se ancoraram no Ato Institucional número 5, também chamado de AI-5. Oficializada em 13 de dezembro de 1968, a medida permitia cassar os direitos políticos de opositores e proibia manifestações sobre temas políticos. Na leitura de Skidmore (1988), a proposta inicial era atacar as guerrilhas armadas.

»Controladas, o que ocorreu em 1972, seguiu-se uma ampliação dos alvos. Quaisquer pessoas potencialmente suspeitas passaram a se tornar possíveis vítimas dos militares. O discurso da ditadura, bem como os discursos autoritários imputados à chapa de Bolsonaro, como dito, contrariam o que representa o lugar de pessoa, que valoriza o humano.

»Nos cartazes, a ditadura repudiada é representada de diferentes formas. Em “#EleNão porque defende a tortura”, a associação ao regime militar é feita por meio do vínculo com as agressões físicas efetuadas aos opositores. Na mensagem com o enunciado verbal “Ditadura nunca +”, boa parte do sentido é criada por meio do desenho do candidato presidencial. Ele é representado fazendo continência – com o gesto de pôr a mão direita ao lado da cabeça. Na palma de sua mão, o autor da arte inseriu o slogan do “Ele não”. Soma-se a isso o risco sobre ele, reforçando a negativa a ele.

»O estado de exceção é ampliado no terceiro cartaz. Neste, vincula-se o político a Adolf Hitler (1889-1945), representado na imagem, e ao regime nazista. Este foi marcado por princípios fascistas e antissemitistas, os quais levaram a Alemanha à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No caso em tela, os olhos do líder alemão servem para marcar duas vogais “e”. O nariz faz as vezes do “l”. Juntos, compõem o pronome “ele”, complementado pelo “não”, que aparece logo abaixo do marcante bigode de Hitler.

»Nesse caso, pode-se dizer que a argumentação se ancora também no argumento pelo antimodelo, o qual, conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), diz respeito àquilo ou àquele que se deve evitar. Para os autores, se a referência ao modelo deve ser feita quando uma conduta, um comportamento particular serve tanto para fundamentar/ ilustrar uma regra geral, quanto para estimular uma ação nela inspirada, a referência ao antimodelo permite afastar-se de certas condutas/comportamentos.

»Os enunciados dos cartazes acima advêm de oradores que rejeitam o presidenciável e levam em conta especialmente sua atuação durante sete mandatos (desde 1991) como deputado federal no Rio de Janeiro. O primeiro traz termo usado por Bolsonaro em discussão travada anos antes com a então deputada Maria do Rosário, quando a chamou de “vagabunda”. Nos dizeres da manifestação, “vagabunda” seria a produção legislativa dele. No segundo texto, a sugestão é que o político teria “mamado nas tetas do governo”, aproveitando-se dos benefícios salariais do cargo público.

»Na biografia de Bolsonaro, disponibilizada em seu site, consta que:

»“Em seus mandatos parlamentares, destacou-se na luta contra a erotização infantil nas escolas e por um maior rigor disciplinar nesses estabelecimentos, pela redução da maioridade penal, pelo armamento do cidadão de bem e direito à legítima defesa, pela segurança jurídica na atuação policial e pelos valores cristãos. Foi idealizador do voto impresso, que certamente contribuirá para a realização de eleições mais confiáveis e passíveis de auditagem”.

»Lindner (2017), partindo do levantamento feito pelo Estado/ Broadcast, comenta que durante três décadas na Câmara, “Bolsonaro apresentou 171 projetos de lei, de lei complementar, de decreto de legislativo e propostas de emenda à Constituição (PECs)”, dentre os quais apenas dois viraram leis – uma proposta que estendia o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para bens de informática e outra que autorizava o uso da chamada “pílula do câncer”.

»A argumentação nos cartazes desse grupo é sustentada especialmente pelo lugar da quantidade: as coisas valem mais (ou menos) por razões quantitativas (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996). Ao destacarem a “produção legislativa como vagabunda” e “27 anos mamando nas tetas do governo”, os enunciados buscam evidenciar que Bolsonaro produziu muito pouco. A quantidade funciona como argumento para ressaltar uma suposta incompetência.

»Os cartazes, como podemos verificar, destacam um enfático NÃO a “ele”. Por força do contexto retórico, o “ele” é reconhecido imediatamente pelo auditório. O NÃO explícito esconde-mostra a presença de um outro “ele”, mais tolerante, mais competente, mais democrático e contrário à ditadura. Os cartazes, portanto, argumentam, por meio da comparação antitética e valem-se de um argumento quase-lógico, pois, os autores dos cartazes se valem dos argumentos de identidade e de definição para mostrar posicionamento político e ideológico. O “ele” dos cartazes amplia, por contraste, os valores do auditório e identifica identidades.

»Como afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 238), “uma das técnicas essenciais da argumentação quase-lógica é a identificação dos diversos elementos que são objetos do discurso”.

»Os cartazes, à sua maneira, praticam uma classificação do “ele” por meio da identificação parcial do elemento contestado e definem, condensadamente, elementos éticos e morais julgados fundamentais na concepção de um todo, ligado ao caráter e às posições políticas e ideológicas do candidato à presidência da República. O gênero retórico escolhido, o epidítico, louva pelo avesso a postura de Bolsonaro e reforça o lugar do valor da pessoa, para, também pelo avesso, exaltar princípios que se sedimentaram no discurso dominante sobre a importância da liberdade, do regime democrático e dos costumes considerados fundamentais, pelos oradores, para o bom convívio humano. Como todos os cartazes mostrados se baseiam em afirmações prévias do candidato, as falas expostas ganham efeitos de verdade e permitem manifestações consideradas justificadas para, justamente, valorizar a posição assumida pelos oradores.

»Justifica-se e argumenta-se, assim, o porquê do EleNão. O discurso dos cartazes é, também, uma clara demonstração do discurso como ato do orador. As ligações entre orador e discurso representam um fator muito importante porque são acentuadas por meio da própria ação (actio). Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 361), a esse respeito, afirmam que “mesmo as palavras alheias, reproduzidas pelo orador, mudam de significação, pois quem as repete sempre toma para com elas uma posição, de certa maneira nova, ainda que seja pelo grau de importância que lhes concede”.

»Todos os cartazes, portanto, levam em conta as relações que existem entre a opinião que se tem do objeto do discurso epidítico e a maneira pela qual se julga o seu discurso. Por isso, o lugar primeiro é o da qualidade. Quando se pensa no número de cartazes diferenciados, todos criados a partir das falas do candidato, o lugar da quantidade também ganha destaque argumentativo.

»Assim, a pessoa em foco concede um valor ao discurso e, no contexto da ação (actio), os oradores configuram o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) denominam “ethos oratório”, aquele que se resume à impressão que o orador, por suas palavras, dá de si mesmo. Como o contexto em que se dá a ação (actio) é essencialmente político, os oradores assumem o papel de mentores, daqueles que aconselham, repreendem, mas, no fundo, por força do raciocínio dialético empreendido na ação, dirigem o pensamento do auditório para o que é considerado útil e necessário para a comunidade. Essa é a característica fundamental que o gênero judiciário assume no discurso que emana dos cartazes: o auditório, colocado como assembleia, diante de uma causa que aponta para o futuro, é levado a refletir sobre o útil, o conveniente e sobre o prejudicial e o nocivo. Os cartazes são mais do que um protesto público de natureza polêmica, pois aconselham o auditório a tomar uma posição por meio do voto.


»Considerações finais

»Existe, no universo da doxa, uma natural tensividade retórica, característica da dinâmica da comunicação social que acentua o que há de discordante no que diz respeito a conflitos de conceitos, choques semânticos, diferentes visões de mundo, diferenças ideológicas e crenças antagônicas.

»Os oradores, grupo composto pelos manifestantes que empunham cartazes, demonstram levar em conta o presente, o passado e o futuro para realçar as causas que defendem. O auditório, pois, assume um papel preponderante para a obtenção da eficácia retórica ao assumir o “fazer” pretendido: decidir, diante dos múltiplos fatores que envolvem o problema retórico em discussão, quais são os reais valores que devem ser apreciados, o que representaria o bom-senso comunitário e os interesses pessoais do grupo.

»Os cartazes, ao polemizarem o futuro, refletem e promovem a intensidade das paixões, a capacidade de discernimento, na situação proposta, o que é conveniente, justo, legal, útil, nocivo, vergonhoso ou honrável para o futuro de toda uma nação. Os cartazes atingem diretamente os interesses e desejos do auditório.

»Exploram o lugar da qualidade, da essência, da existência, do valor da pessoa sobretudo para que, primordialmente, entendam a polissemia contida no advérbio “NÃO”. É prudente pensar que, em termos ideais, o auditório é capaz de analisar a força e a vulnerabilidade dos argumentos.

»O movimento em busca da compreensão do dito e do não dito, porém, é possível de ser captado em diferentes dimensões significativas, pois é, na essência, interpretativo. Os cartazes, considerados como ação retórica, indicam uma direção argumentativa e esforçam-se para atribuir ênfase discursiva a uma pergunta fundamental, que move os oradores: é merecida a aprovação, pelo voto, do “ele”?

»Para sedimentar o desejo de eficácia, destacam-se os lugares da qualidade, da quantidade, da essência, da existência e do valor da pessoa como um fundamento primeiro para todo o arcabouço argumentativo demonstrado».



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