junio 08, 2017

«A verdade no processo judicial: A falácia da verdade metafísica»



Manuela Braga Galindo
«A verdade no processo judicial: A falácia da verdade metafísica»

Problemata vol. 8, n.º 1 (2017)
Filosofia do direito: edição especial

Problemata | Universidade Federal da Paraíba - UFPB | Programa de Pós-graduação em Filosofia | João Pessoa | Paraíba | BRASIL


Extracto de apartados en páginas 191, 198-202 y 210-211 de la publicación en PDF. Véanse las referencias en la publicación original del texto.




«Resumo

»O procedimento judicial é pensado nos termos da racionalidade apodítica, como demonstração ao invés de convencimento. Essa perspectiva é herança da abordagem teológica e metafisica da verdade que, transferida para o Estado e o direito, ajudam a consolidar as categorias e formas que confirmam ambos. No entanto, a racionalidade retórica, resgatada através da preocupação com a linguagem e a pluralidade do sec. XX, ensina que num processo dialético que parte da dúvida, como o processo judicial, não é a verdade que se tem como produto, mas a verossimilhança. Da mesma forma, o realismo jurídico permite entender o processo de decisão a partir da perspectiva do magistrado, confirmando a ideia retórica de que processo é convencimento, não revelação da verdade.

»Palavras-chave: Verdade; Justiça; Retórica; Realismo jurídico.



»A racionalidade retórica e a compreensão da falácia da verdade metafísica

»A partir do fim do início do séc. XX e mais especialmente do fim da Segunda Guerra, o estudo da linguagem e da retórica ganharam espaço nos campos das ciências humanas e com o direito não foi diferente. Com a percepção de que verdade pode ser outra que não a correspondência e que a o discurso é relativo, é possível perceber que o procedimento judicial que pretensamente se propõe a chegar a verdade pode estar defasado.

»A racionalidade retórica ensina que não se pode falar em verdade como correspondente da realidade no processo judicial, pois este é um processo dialético que admite as verdades de acordo com os oradores e ouvintes; é um processo relativista, negando, com isso, a pretensão de verdade metafísica.


[...]


»As premissas da retórica a partir do seu nascimento

»A racionalidade pode ser dividida em duas, a apodítica e a dialética. A razão apodítica é que pode ser demonstrada, pois parte de premissas necessárias, em que não existem dúvidas, mas apenas certezas. A racionalidade dialética, por sua vez, parte de um dubium e se desenvolve no discurso através de opiniões, proposições, escolhas e predisposições.

»Assim, quando se fala em premissas necessárias, como na matemática, tem-se a racionalidade apodítica. No entanto, a racionalidade que trabalha com categorias questionáveis, faz proposições, usa do discurso e da dedução para formar opiniões ou crenças é a dialética e Aristóteles chama esse método de tópico. Tópico vem do grego topos, lugar, e quer dizer que algo vem daquele a retórica é filha da dialética. O entimema, o argumento retórico em que uma premissa explícita induz uma segunda premissa, é um silogismo, uma argumentação lógica, herdando a retórica parte de sua tradição da dialética.

»Nesse tipo de racionalidade tópica existe dúvida e a dúvida incita o diálogo, que eventualmente leva à boa opinião. Com a boa opinião é preciso perceber se o interlocutor concorda com o orador, se convence. Esse processo é diferente da lógica, em que se trabalha com o monólogo, a tópica, por sua vez, constróise com o diálogo.

»Assim sendo, retórica é a faculdade de descobrir os meios de persuasão efetivos sobre qualquer questão dada. É a técnica e a arte de questionar e sustentar um argumento, defender-se ou acusar usando da melhor forma possível para assim fazê-lo. Para Aristóteles, então, a retórica é a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Nem todas as provas de persuasão são próprias da arte da retórica. São provas inartísticas as que não são produzidas pelo homem como testemunhos, confissões sob tortura ou documentos escritos. Provas artísticas são as que podem ser preparadas através de método pelos homens, as que advêm do raciocínio. Assim, é necessário utilizar as primeiras, mas inventar as segundas.

»As provas artísticas são, portanto, a expressão do uso da retórica, que excede a descrição das provas inartísticas e as trabalham para construir a verdade que interessa ao orador.

»São três espécies de provas de persuasão através do discurso. Pelo caráter moral do orador, pela maneira que se dispõe o ouvinte e pelo que o próprio discurso parece demonstrar, como ensina Aristóteles.

»Persuade-se pelo caráter quando o orador deixa a impressão de ser digno de fé. Quando o orador convence o público que está qualificado para falar sobre o assunto e sua autoridade serve como meio de convencimento dos argumentos. No entanto, para falar precisamente de retórica é preciso que a confiança no orador seja resultado do discurso e não em razão de opinião prévia acerca deste individuo. Assim, se o orador convence que tem autoridade para falar sobre o assunto, a nova autoridade conquistada ajuda-o a persuadir seus ouvintes.

»A persuasão pela disposição dos ouvintes se dá quando estes são levados a sentir emoção por meio do discurso. A retórica aqui usa dos sentimentos de tristeza ou alegria, ódio ou amor para convencer de um argumento. A amplificação de um argumento ou uma história podem ser usados para evocar emoções da audiência. Assim, o orador deve julgar se usar das emoções da audiência é conveniente e eficaz para provar sua ideia.

»O discurso oratório comporta três elementos: o orador, o assunto sobre o qual se fala e o ouvinte. O resultado do discurso refere-se ao ouvinte; ele que, ao final, vai se manifestar, vai se convencer ou não. Para melhor compreender´ como se comportam os ouvintes, Aristóteles dividiu em três gêneros os discursos retóricos: o deliberativo, judicial e epidíctico.

»Na retórica deliberativa os oradores aconselham ou dissuadem acerca de eventos futuros. No gênero judicial a acusação e a defesa persuadem o juiz acerca de um evento passado. No epidíctico tem-se o elogio ou a censura no presente.

»Assim, a retórica judicial é justamente a argumentação jurídica prevista no modelo de processo judicial dogmático. Advogados de acusação e defesa devem escolher a melhor forma de persuadir o juiz acerca de como ocorreu um evento no passado. A finalidade dessa retórica, afirma Aristóteles, é o justo e o injusto. Apesar de não ser algo deliberadamente planejado, o injusto é um resultado possível na retórica judicial, pois o direito é um mecanismo de institucionalização de interesses.

»Dessa forma, o propósito do orador é convencer o ouvinte. Como já mencionado, o convencimento não pode se dar através de demonstração, pois a racionalidade do discurso judicial não é lógica, mas tópica e dialética. Assim, usando o método retórico, o orador deve construir o seu discurso pensando no ouvinte. Retórica é discurso adaptado. A partir de premissa que se adapta ao auditório e preocupando-se com a elocução é possível criar disposição no auditório para aceitar a argumentação e para, efetivamente, convencer.

»Importante perceber, portanto, que a retórica não demonstra, ela convence, o que significa que uma ou outra tese pode ser bem sucedida, pois dependem do manejo do orador. Por isso Aristóteles avisa desde o início que a retórica não tem compromisso com a justiça e ambas, justiça e injustiça, podem ser produto dela.

»A tópica e a retórica não pensam a partir do sistema, mas do problema. Dessa forma, não existe por parte dos advogados ou o magistrado compromisso com o sistema judiciário, politico ou social. A preocupação desses oradores, cada um em seu momento, é com o problema que têm diante de si, com o caso concreto. Assim, se o juiz acredita que o sistema legal não é suficiente para solucionar um problema, ele pode construir argumentação razoável usando outros recursos, pois, para a retórica, o sistema não está posto, ele é montado através do problema. Esse raciocínio guarda diversas similaridades com a teoria do realismo jurídico, que pensa a solução de problemas judicias não necessariamente a partir da norma escrita, mas também através do magistrado.

»A questão da verdade no procedimento judicial assume os parâmetros absolutos de que os princípios de justiça são concebidos por pessoas racionais e por isso a justiça pode ser definida em termos absolutos. Ele age como se a racionalidade individual sobre as questões de justiça fosse a racionalidade apodítica, demonstrável e necessária. Mas é essa mesmo a racionalidade da política, da ciência social, historia ou direito? Após o demonstrado até aqui, seguro dizer que não. A racionalidade do procedimento judicial é retórica e tópica, parte da dúvida e constrói argumentos e pressupostos a partir de consensos para convencer. Dessa forma, o procedimento judicial não é completamente alheio ao aceite de injustiças.

»A ideia de verdade no procedimento judicial é metafísica, pois se propõe como definitiva, como válida e dedutível por todos. No entanto, a análise da racionalidade do procedimento judicial mostra que não há que se falar em definição ou demonstração válida para todos. A decisão judicial parte de premissas, proposições e escolhas que inspiram determinado conhecimento. Essa verdade final do processo não pode se confundir com a verdade material, ou expressão fiel da realidade, é verossimilhança, expressão do que é razoável. Dessa forma, a injustiça, tanto quanto a justiça, é produto da decisão de direito. Assim, os princípios de justiça, as leis e as instituições podem cometer injustiças.


[...]


»Conclusões

»O procedimento judicial é pensado para definir parâmetros de verdade ao final da 1ª instância. Todo o procedimento é revestido de forma e categorização sólida que afirmam viabilizar a produção de uma verdade absoluta, imutável, atemporal e dedutível por todos, revelando a herança teológica e metafísica do processo.

»A verdade é que esse formato ajuda o direio a construir a estabilidade e confiança que instrumentaliza o estado. O estado se alimenta da consolidação e firmeza do seus procedimentos.

»No entanto, com a virada retorica na metade do séc. XX e o aumento da pluralidade, a retórica voltou a ser compreendida, como na Antiguidade, como a técnica e arte de desenvolver o discurso através da argumentação de modo a convencer, a formar opiniões. Assim, qualquer discurso dialético que parte de um dubium, como processo judicial, é contingente e acidental, produzindo, ao fim, não verdades, mas verossimilhanças.

»Essa racionalidade não parece ganhar espaço no direito, a medida que nega os próprios parâmetros de estabilidade e confiança já discutidos. A retórica promove discussão e dissociação e, com isso, ruptura, que o Estado não pode permitir.

»O realismo jurídico, por sua vez, através a postura cética em relação ao direito, enxerga os problemas apontados pela retórica quando admite que a decisão judicial e mais especialmente a definição dos fatos é um procedimento subjetivo que depende em muito do magistrado.

»Dessa forma, o trabalho se propôs a responder a pergunta de como se dá a determinação da verdade no procedimento judicial. Para isso formulou a hipótese inicial de que o procedimento judicial de definição da verdade se pretende infalível para a resolução do conflito e feitura de justiça, no entanto, a negação da metafisica da verdade e a compreensão da retórica analítica na produção da verdade judicial permitem concluir que o resultado do processo não pode pretender a descoberta de uma verdade, mas de verossimilhança, o que pode resultar na injustiça tanto quanto na justiça. Com as reflexões trazidas é possível, portanto, concluir que a hipótese inicial se confirma, a verossimilhança é resultado do processo de conhecimento dos fatos na 1ª instância o que, de modo algum, assegura a revelação da realidade e pretensão de feitura de justiça sob esses parâmetros.»





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